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São dois polos completamente opostos, eu sei, mas te garanto que esse texto que compara arte com a vida corporativa tem mais pontos em comum do que você imagina!

Imagem da Internet: autor desconhecido.

Quando comecei meus estudos de ballet clássico aos 9 anos de idade na Escola Municipal de Bailados de São Paulo (a escola do Theatro Municipal), eu era apenas uma criança baixinha, magrela, levada, desinibida, extremamente curiosa e com muitas facilidades físicas que me fizeram ser aprovada em primeiro lugar na audição para entrar na escola.

Lembro de uma frase dos meus pais até hoje: “são 8 anos de ballet de graça e você sai de lá com uma profissão na carteira. Vai ter que estudar até os 16 anos, hein. Não pode desistir”


Essa fala deles ressoa na minha memória até hoje quase todos os dias.
“8 anos de graça.”
“Não pode desistir.”

Acervo pessoal: primeira apresentação em 1993 na EMB aos 9 anos. Lógico que foi divertido!

Bem, eu tinha 9 anos e estava na terceira série da escola (1993) … ter mais uma atividade pelos próximos 8 anos, significava uma jornada dupla de estudos todos os dias durante minha infância e uma parte da adolescência, que terminaria no ano 2000 o ballet com 16 anos e 2001 a escola, aos 17, mas como os planos mudam ao longo dos anos, acabei tendo que trancar a matrícula no quarto ano de ballet e retomei no ano seguinte.

Então, o que era para acabar em 2000, acabou em 2001.

Acervo pessoal: formatura da Escola Municipal de Bailados de São Paulo em 2001.
Prazer, Fofa e Kaluko, conhecidos como meus pais.


Não Pode Desistir!!!

Essa frase valia para mim tanto quanto para meus pais. Não era fácil para eles me levarem ao Centro da Cidade todos os dias, pagar 4 conduções por dia (2 eu e 2 da minha mãe), alimentação diária, afinal, eu passava 5 horas por dia no ballet, as roupas de aula: sapatilhas de meia ponta e de pontas, sendo as de ponta as mais caras e acabavam mais rápido, collant, meia, roupa de inverno, adereços que mudavam constantemente, ou porque acabavam a vida útil, ou porque eu crescia e deixavam de servir.

No final de ano, sempre era a hora de comprar os figurinos das apresentações: super caros (quase igual os fretes… brincadeira, nada se compara a uma exportação Santos x Guayaquill em agosto de 2021).

A opção não pagar ou não dançar porque não podia comprar o figurino era nula. A apresentação de final de ano da escola compunha a nota de aprovação anual.
Ou dança, ou não passa de ano, independente das notas no boletim.

A parte dos “8 anos de graça” no final das contas, não era tão de graça assim. Apenas não pagava mensalidade da escola, mas todos os outros custos reais de sobrevivência no curso e nem sempre com recursos disponíveis, saíam do bolso dos meus pais, mesmo.

Mas eles nunca desistiram de mim. Também nunca me deixaram desistir do ballet.

Metas altas, chefe chato, emocional no limite, burnout.

Acervo pessoal. Solo de “La Fille Mal Gardé” em 2008. Tive uma semana para aprender a coreografia, entrar no personagem (não conseguia de jeito nenhum), lidar com todas as tendinites, dancei à base de cataflan Ice e esse foi meu burnout. Fracassei nesse festival e tive minha pior nota da vida em uma competição.

Mas e as dores físicas de um corpo recém chegado no mundo e que é feito pra andar com as pernas para frente mas de repente, precisa reconstruir essa anatomia e girar o fêmur para fora, formando uma linha de torção que começa nos quadris, passa pelas coxas, joelhos e chegam na ponta do último dedo do pé que só as bailarinas tem?

O nome disso é “en dehor”, aquele jeito estranho de andar com os pés para fora, sabe? (e que com certeza você ri toda vez que vê isso, que eu sei!) rs

Isso dói. E Muito! E dói para sempre!

E as bolhas de sapatilhas de pontas? Dançar com pé sangrando e cheio de cataflan aerosol para amortecer as dores é tão comum quanto a pausa do café entre um email e outro.

As dores musculares, condromalácias, tendinites, peito de pé sempre estourado que teremos que lidar em nossos corpos a vida inteira, mesmo que nunca mais dance?!

E os (chefes) professores tiranos que não querem saber qual sua dor, porque ela existe e existirá sempre e mesmo assim, você precisa estar cada dia saltando mais alto e subindo mais rápido nas pontas.

Ou seja, melhorando a cada dia e batendo suas metas. Custe o que custar

Mas se não quiser se esforçar “” porque sente dor, tudo bem!

A coleguinha do lado supera isso com mais inteligência emocional e dá o resultado que você não está “conseguindo” alcançar por que “não se esforça o suficiente.”

Mesmo sangrando.

Apesar disso tudo, estaremos sempre com o ar leve e sorrindo e você, jamais vai suspeitar o quanto de dor física e emocional estamos sentindo em cada respiração.

O nome disso é resistência.

Acervo pessoal em algum ensaio em 2009

O ballet não é para os fracos. Ele constrói um emocional fora dos padrões em níveis de resistência e vencer limites que desconheço na maioria das pessoas.

Ele te obriga a simplesmente continuar sem desistir.

É uma sensação de desafio constante e você não consegue parar até conseguir fazer o que precisa ser feito do jeito que tem que ser feito.

A gente só para quando pifa mesmo.

O tempo todo ele te põe à prova e nada do que você conquista, será suficiente.

Sempre tem um “en dehor” a mais para ter nas pernas, uma pirueta a mais para sustentar, uma perna que pode ficar mais alta, uma leveza aparente que ainda está difícil de transmitir.


E você nunca chega lá.

Me formar bailarina era então nossa meta de vida, minha e da minha família, e assim como temos nossas metas dentro da empresa, por mais difíceis ou indigestas que sejam, desistir nunca foi a primeira opção. Nem a última.

Quantas coisas na nossa vida dependem da nossa resistência em suportar, aguentar mais uma porrada, remendar mais um sangramento, erguer a cabeça e se recuperar para seguir em frente?

Muitas! Todos os dias!
Eu, você e todo mundo.

Entendam que “desistir” não é o mesmo que abandoar, mas sim persistir em algo em que se acredita.

Acervo pessoal: Suíte em 2 Movimentos *no vídeo abaixo, mas em outra apresentação). 2008 pelo Ballet Art’Expressão

Disciplina, paixão e às vezes, uma chatice pra te testar

Sim, gente!! Ballet é chato e tenho certeza que ouvir isso de uma bailarina apaixonada seja bem incomum. Mas não é!

Quantas vezes você foi numa apresentação de ballet clássico?

Vamos supor que 2 (nomáximo)! Ok… Dessas 2, quantas você dormiu durante a apresentação ou simplesmente foi embora no meio do espetáculo?

Aposto que as duas! rs

E sabe porque?

Por quê ballet é “perfeitinho demais” e mesmo a perfeição sendo uma coisa linda e ilusória, a ilusão te mantém alerta por tempo determinado.

É como aquele vendedor que te vende um sonho super possível, mas quando você se depara com a concretização, percebe que não é bem assim .

Não posso também deixar de mencionar o fato de que brasileiro não é criado para amar as artes finas e os esportes de alta performance, por questões culturais do nosso povo.

Durante minha jornada na dança, pude concluir com extrema certeza que o público de um espetáculo de ballet em sua esmagadora maioria, leia-se pra mais de 95%, é formado apenas por, pasmem: bailarinos e familiares de bailarinos, dos que se apresentam em tal espetáculo ou não.
Ou seja, pessoas “normais” que não tem um contato próximo com o ballet clássico tendem naturalmente a não se interessarem pela arte e o motivo “ingresso caro” é apenas uma desculpa que não cola nunca para não comparecer a uma apresentação, mesmo porquê temos pelo Brasil centenas de Cia de Danças de alto nível e premiadas internacionalmente que se apresentam com bilheteria gratuita e nem assim, é um bom motivo para incentivar o público a ir assistir uma apresentação de ballet nem por curiosidade.

O máximo (e posso apostar) que já passou de ballet ao vivo por você ou pela maioria das pessoas é quando já estão em algum evento cultural, tipo a Virada Cultural de São Paulo e no seu caminho, por acaso, tem um palco com ballet e então, você parou para assistir e disse “nossa, que bonito, né? Vamos procurar o palco da nossa banda favorita agora?”.

Então, tudo que não estamos acostumados, nos cansa fácil. E tudo bem!

Mas é justamente nessa “chatice” e disciplina que é intrínseca ao ballet que mora quase tudo o que um adulto vai precisar carregar como pessoa e como profissional e que nem sempre os acessos a todas essas características estarão juntas no mesmo ambiente de construção e aprendizado humano, assim como acontece no ballet.

Cumprir Horário à risca;
Vestimenta e apresentação pessoal sempre impecável;
Reverenciar o professor na entrada e na saída de cada aula pois ele é a autoridade máxima. É o líder e devemos receber com carinho e respeito os ensinamentos deles;
Manter o tom de voz baixo em sala nos momentos de tirar dúvidas, mas também evitar conversas;
Se o professor entrou na sala antes de você, tchau!! Horário é para ser cumprido e o senso de responsabilidade com os demais deve sempre prevalecer
.
Não existe você. Existe nós. Em qualquer circunstância o pensamento e comportamento coletivo é sempre empregado como lição primordial para um bom aproveitamento das aulas.

Trabalho duro, repetições, ser ensinável e espírito de equipe que funciona

Acervo pessoal: Novamente Suite em 2 Movimentos em 2008 na MESMA apresentação do meu solo fracassado. Sim, foram dois números praticamente seguidos que após a frustração e a tendinite, recuperei meu brio e esse ganhamos o primeiro lugar!

Já reparou como uma apresentação de ballet em conjunto, ou mesmo em duplas, sempre, necessariamente, acontecem simultâneas, coordenadas e musicalmente impecáveis?

Pois é! Uma das primeiras lições que aprendemos na sala de aula quando crianças iniciantes, antes mesmo de aprender o “demi plié” é como nos relacionamos com os coleguinhas da sala e como nos enxergamos como um todo enquanto um time, mesmo cada um ocupando seu próprio espaço e aprendendo que existe um corpo que precisa ser dominado no ambiente.

Como ensinar uma criança a dominar o próprio corpo no ambiente com outras crianças aprendendo a mesma lição e ainda por cima, enxergar umas as outras sem atropelar a amiguinha, nem expulsar ela do palco sem querer e ufa… estar todas lindas e sincronizadas?

hahahaha Pirou aí com essa ideia?

Calma! Nós levamos anos para aprender a nos auto dominar a ponto de não avançar o espaço alheio e ainda estarmos juntas, alinhadas lindas e sorridentes.

O ponto chave aqui é a repetição incansável e principalmente, as massivas instruções do líder sobre esse ensinamento. Ensinar Sempre. O tempo todo. Até que a lição seja aprendida e executada com excelência para partir para a próxima etapa.


Nem sempre com amor ou doçura nas palavras, posso dizer, mas sempre com respeito.

Claro que umas aprendem com mais facilidade e outras levam mais tempo, mas no final,

Todas aprendem e dançam juntas, unidas pela mesma música, buscando a beleza do conjunto.
Sem competições.
Cada uma aprende a brilhar com a posição que ocupa, dominar seu espaço, sentir e respeitar o espaço do coleguinha e só assim o destaque individual e coletivo é alcançado.
Esse é o resultado esperado e é isso que você aplaude quando assiste uma apresentação de ballet..

Mas vamos aos finalmentes

Vimos na minha história que o ballet ensina muitas coisas, a maioria delas muito duras e que nos tornam por vezes intransigentes ou pouco pacientes com algumas situações ou comportamentos, mas também muito trabalho é feito para se chegar em cada meta.

Da mesma forma em que uma minoria de bailarinos são completos nas mais diversas formas de desafios da dança: saltos, equilíbrios, flexibilidade, giros, performance artística, um profissional adulto seja lá de qual área for, também nem sempre será o senhor ou a senhora completona.

Conhecer muitas coisas não te torna habilidoso ou dominante em todas elas e acredito que a maior lição que devemos tirar dessa frase é que “tudo bem” não ser perfeito. Tudo bem não ser extremamente completo. Tudo bem trabalhar todos os dias nossas dificuldades tentando alcançar sempre um melhor resultado. Tudo bem nos cobrarmos muito ou cobrarmos alguém porque vemos que aquele ainda não é o limite, tampouco é o excelente.

E principalmente: tudo bem falharmos às vezes também! Volta e faz de novo até sair!!!

Sendo você do comex ou de qualquer outra área, é inerente que como pessoa e profissional, você busque o máximo de conhecimento possível mesmo que de assuntos totalmente aleatórios ao seu cotidiano.

Tudo uma hora se encaixa e fará sentido em alguma situação inusitada e se você conseguir improvisar algo para se sair bem ou evitar um desastre, é sinal de que está dando seu melhor e tentando se superar, que não se contenta com pouco, não desiste e é resistente, ao mesmo tempo em que consegue enxergar o espaço e os movimentos ao seu redor, enquanto domina o único espaço que te interessa dominar que é o seu mesmo.

Reverence

Acervo pessoal: Formatura da EMB em 2001 com cara de choro de emoção, mas agradecendo com os olhos.

Obrigada por ler até aqui! Foi um conto muito importante para trazer em público e que desejo de coração que você se reconheça em algumas dessas linhas e que independente da sua dor ou nível de dificuldade, que você treine a leveza e o sorriso, com a cabeça erguida e se orgulhando pelos seus resultados.

Coloquei para finalizar um link de um vídeo de uma das escolas pelas quais passei depois de formada e onde dancei e dei aulas por alguns anos, o Ballet Art’Expressão. Estou na maioria dos vídeos, mas vai me achar bem mais fácil no de vestido roxo 😉 (que você neeeeemmmmmm percebeu que é o meu preferido da vida, né?)
Infelizmente a pandemia fechou as portas dessa escola que contribuiu por mais de 40 anos para a dança em São Paulo.

E hoje, a Escola Municipal de Bailados mudou de nome e de endereço mas continua no Centro de São Paulo também aos arredores do Theatro Municipal e hoje se chama Escola de Dança de São Paulo.

Bom espetáculo!

Priscila Cespede.

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Empreendendo no Comex na Pandemia

27 de julho de 2021

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